DA RATIFICAÇÃO DO REGISTRO DO IMÓVEL RURAL SITUADO NA FAIXA DE FRONTEIRA?
- Eduardo Carvalho Almeida
- 25 de jun.
- 11 min de leitura
Breves anotações sobre a Lei n.º 13.178/2015
A Lei em questão dispõe sobre a ratificação dos registros imobiliários decorrentes de alienações e concessões de terras públicas situadas nas faixas de fronteira.
A atual faixa de fronteira do país corresponde a uma faixa de terra de 150 (cento e cinquenta) quilômetros de largura que avança, país à dentro, a partir da linha de fronteira, se estendendo desde a divisa do Rio Grande do Sul com o Uruguai até a divisa do Amapá com a Guiana Francesa, tal como ilustrado no mapa abaixo.

Importa consignar que a mencionada faixa de fronteira representa 15% (quinze por cento) do território nacional, totalizando praticamente 128 (cento e vinte e oito) milhões de hectares e abrange 11 (onze) Estados da Federação. Apenas a título de comparação: se somarmos os territórios da Alemanha, França e Itália ainda obteríamos uma área inferior à nossa atual faixa de fronteira.
Ademais, é notório e de conhecimento geral que boa parte da nossa produção agropecuária provém de imóveis rurais inseridos nessa região, fato que demonstra não só a importância econômica, mas também a relevância social que envolvem o tema.
Por fim, dispõe ainda a referida legislação que aquele que não se adequar a esta obrigação terá o seu registro de propriedade transferido para a União a pedido do órgão competente (algo que na prática se assemelharia aos efeitos de uma desapropriação indireta).
Os Sindicatos Rurais dos Estados têm se esforçado para divulgar e orientar os cidadãos acerca dessa obrigação, entretanto, verifica-se que muitos deles, não obstante a boa-fé de suas ações, estão imbuídos de equívocos na interpretação da norma em questão, inclusive, sugerindo em alguns casos que “o simples fato do imóvel estar inserido na faixa de fronteira” já seria o suficiente para determinar sua obrigação quanto à ratificação do respectivo registro imobiliário, entendimento do qual discordamos, visto que, para se determinar a obrigação em questão há a necessidade de confirmar se a origem do registro de propriedade envolve certas condições de espaço, tempo e qualificação especificamente previstas na lei em questão, do contrário, a conclusão lógica aponta para uma dispensa tácita da referida obrigação.
Por outro lado, e muito curiosamente, verifica-se que o Governo Federal se mantém silente sobre o assunto, evidenciando não possuir qualquer interesse na divulgação dessa matéria, pois, até a publicação desse trabalho não se notou qualquer campanha neste sentido.
Já a Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA, conduz até esse momento ao menos dois projetos de lei visando ampliar o prazo de ratificação dos referidos registros imobiliários e, desse modo, estabelecer a forma de encaminhamento e aprovação do Congresso Nacional dos requerimentos de ratificação dos imóveis que possuem área superior a 2500 ha (dois mil e quinhentos hectares), sendo estes: o PL n.º 4497/2024 de iniciativa do Deputado Estadual Tião Medeiros (PP/PR), já aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados em votação realizada no dia 10/06/2025 e que, por sua vez, prorroga até 2030 o prazo para a ratificação de registros de imóveis rurais localizados em faixa de fronteira; e, o PL n.º 1532/2025, de iniciativa do Senador Nelsinho Trad (PSD/MS), que até o momento da publicação deste trabalho ainda constava pendente de votação no Senado.
A etapa mais preocupante do processo de ratificação, diz respeito ao levantamento da cadeia dominial. Referida estapa se faz imprescindível para se verificar se o respectivo registro imobiliário atual se enquadra ou não no dever legal de ratificação, conquanto, o levantamento da cadeia dominial é, sem sombra de dúvidas, a etapa mais difícil desse processo, pois, é sabido que muitos proprietários terão grandes dificuldades para chegar no documento original de seus registros, me refiro aqui ao primeiro registro de propriedade pelo qual o Estado, de alguma forma, outorgou a propriedade da área ao primeiro proprietário privado na história do bem.
Sabe-se de casos de cartórios que, no passado, pegaram fogo ou sofreram com enchentes perdendo todos os seus registros físicos; outros, quando encontram, apresentam documentos rasurados e absolutamente ilegíveis e ainda, documentos precariamente registrados que sequer mencionam os dados do registro anterior a ele, enfim, uma verdadeira odisseia pela caixa de pandora.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é apenas contribuir com o processo de interpretação dos principais dispositivos da Lei n.º 13.178/2015 e assim ajudar os interessados no tema a identificarem se um determinado imóvel se enquadra ou não na obrigação legal de ratificação do registro imobiliário.
Assim sendo, recomenda-se aos interessados que se assessorem de profissionais qualificados (advogados e engenheiros), e não deixem de consultar os respectivos Oficiais de Registro de Imóveis.
Por fim, consultem também os proprietários dos imóveis vizinhos, pois, em muitos dos casos, áreas vizinhas possuem a mesma origem dominial, pois, via de regra, são resultantes de desmembramentos realizados ao longo dos anos, com isso, o processo de identificação das particularidades de cada caso e das possíveis soluções será muito mais seguro e preciso, minimizando toda a sorte de prejuízos que possam decorrer desta situação.
LEI N.º 13.178,
DE 22 DE OUTUBRO DE 2015
Dispõe sobre a ratificação dos registros imobiliários decorrentes de alienações e concessões de terras públicas situadas nas faixas de fronteira; e revoga o Decreto-Lei nº 1.414, de 18 de agosto de 1975, e a Lei nº 9.871, de 23 de novembro de 1999.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º São ratificados pelos efeitos desta Lei os registros imobiliários referentes a imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos Estados em faixa de fronteira, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, devidamente inscritos no Registro de Imóveis até a data de publicação desta Lei, desde que a área de cada registro não exceda ao limite de quinze módulos fiscais, exceto os registros imobiliários referentes a imóveis rurais:
Dos registros imobiliários automaticamente retificados pelos efeitos da Lei. Observa na redação do "art. 1.º" que o legislador utilizou o verbo “ratificar” em sua forma plural, conjugado na terceira pessoa do presente do indicativo, indicando, não por acaso, mais justamente que multiplicas ratificações são confirmadas e aprovadas pelos simples efeitos da Lei. Em síntese, a expressão "São ratificados pelos efeitos desta Lei" indica, como regra geral, que os registros imobiliários dos imóveis que se enquadrem na descrição do caput do art. 1.º estão automaticamente validados e ratificados.
Regra geral do caput. Os registros imobiliários compreendidos na regra geral do caput são todos aqueles que se originaram de alienação ou concessão de terras devolutas efetivadas pelos Estados em faixa de fronteira e que, na data da publicação da Lei, isto é, em 23/10/2015, a área de cada registro não excedesse ao limite de 15 (quinze) módulos fiscais.
I – cujo domínio esteja sendo questionado nas esferas administrativa ou judicial por órgão ou entidade da administração federal direta e indireta até a data de publicação da alteração deste inciso;
II - que sejam objeto de ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária ajuizadas até a data de publicação desta Lei.
§ 1º. Na hipótese de haver sobreposição entre a área correspondente ao registro ratificado e a área correspondente a título de domínio de outro particular, a ratificação não produzirá efeitos na definição de qual direito prevalecerá.
Art. 2º Os registros imobiliários referentes aos imóveis rurais com origem em títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos Estados em faixa de fronteira, incluindo os seus desmembramentos e remembramentos, devidamente inscritos no Registro de Imóveis até a data de publicação desta Lei, com área superior a quinze módulos fiscais, serão ratificados desde que os interessados obtenham no órgão federal responsável:
I - a certificação do georreferenciamento do imóvel, nos termos dos §§ 3º e 5º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 ; e
II - a atualização da inscrição do imóvel no Sistema Nacional de Cadastro Rural, instituído pela Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972 .
§ 1º Às ratificações de que trata o caput deste artigo aplicam-se as exceções constantes dos incisos I e II do caput do art. 1º e a regra prevista no parágrafo único do mesmo artigo.
§ 2º Os interessados em obter a ratificação referida no caput deste artigo deverão requerer a certificação e a atualização de que tratam os incisos I e II do caput no prazo de 10 (dez) anos da publicação desta Lei.
Do prazo final: O prazo de 10 (dez) anos para se obter a ratificação do registro imóbiliário, conta-se a partir da data de publicação da lei. Assim, considerando que a Lei foi publicada em 23/10/2015 é certo afirma que o prazo final vence em 22/10/2025.
§ 3º O requerimento de que trata o § 2º será apreciado pelo órgão federal responsável em até dois anos do pedido, salvo se houver diligências propostas pela autarquia agrária referentes à certificação do georreferenciamento do imóvel, hipótese na qual o período utilizado pelo proprietário para seu atendimento deverá ser debitado do prazo total de análise.
§ 4º Não se admitirá a ratificação pelo decurso do prazo de que trata o § 3º.
§ 5º Decorrido o prazo constante do § 2º sem que o interessado tenha requerido as providências dispostas nos incisos I e II do caput, ou na hipótese de a ratificação não ser possível, o órgão federal responsável deverá requerer o registro do imóvel em nome da União ao Cartório de Registro de Imóveis.
§ 6º A ratificação dos registros imobiliários referentes a imóveis com área superior a dois mil e quinhentos hectares ficará condicionada à aprovação do Congresso Nacional, nos termos do § 1º do art. 188 da Constituição Federal.
§ 7º O encaminhamento ao Congresso Nacional para o fim disposto no § 6º dar-se-á nos termos do regulamento.
Do encaminhamento e aprovação pelo Congresso Navional: Até onde apuramos, o Congresso Nacional, até o momento de publicação deste trabalho, ainda não dispunha de um procedimento específico para receber, processar e aprovar os requerimentos de ratificação dos registros imobiliários que se enquadrem na obrigação legal. Situação que tem desafiado os interessados causando-lhes uma série de dificuldades.
Da exceção à regra geral do caput. Os incisos I e II do art. 1.º, bem como o art. 2.º, descrevem a exceção da regra prevista no caput do art. 1.º, isto é, apresentam a descrição dos imóveis que estão obrigados à ratificação de seus registros imobiliários mediante requerimento da parte interessada (proprietário), a ser apresentado e processado individualmente pelo respectivo Oficial de Registro de Imóveis, desde que cumprida as exigências previstas nos incisos I e II do art. 2.º.
Art. 3º A ratificação prevista nos arts. 1º e 2º alcançará os registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas:
Das caracterísiticas temporais e espaciais que determinam o dever de ratificação do registro imobiliário: O simples fato do imóvel estar inserido na faixa de fronteira, por si só, não é suficiente para determinar que seu registros imobiliário deverá ser ratificado, pois, a obrigação legal de ratificação alcança apenas os registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas efetuadas em condições de espaço e tempo expressa e especificamente descritas nos incisos I e II do art. 3.º.
Conceito de terras devolutas: Ademais importa consignar que por "terras devolutas" subentende-se as terras públicas que nunca fizeram parte do patrimônio de particulares, embora possam estar sob posse irregular de indivíduos. Elas são consideradas bens públicos e, em geral, pertencem aos Estados (terras devolutas estaduais), com exceção daquelas indispensáveis à defesa Nacional e preservação ambiental, que são da União (terras devolutas federais).
Do levantamento da cadeia dominial. O levantamento da cadeia dominial dos imóveis rurais com área superior a 15 (quinze) módulos fiscais e que estão, total ou parcialmente, inseridos na faixa de fronteira do país, é a única forma possível para se apurar se o registro se origina de alienações e concessões de terras devolutas (Estaduais ou Federal), nos períodos que definem a obrigação legal de ratificação do registro imobiliário. De todas as exigências do processo, esta é a tarefa mais inglória, pois, guarda em si uma infinidade de incertezas e insegurança. Ademais, a legislação em vigor não dispôs sobre a possibilidade de se averbar às margens dos registros imobiliários a dispensa da obrigação de ratificação para aqueles que não se enquadrarem nas condições determinantes para tanto, de forma que paira no ar a dúvida acerca da possibilidade de, inclusive, se ratificar os registros imobiliários de imóveis inseridos na faixa de fronteira sem que seu registro originário se enquadre na descrição legal, p. ex. aqueles cujos registros imobiliários são oriundos de alienações e concessões de terras devolutas efetivadas pelos Estados, porém, em momentos diversos daqueles previstos na lei.
Dos imóveis situados em Municípios que estão parcialmente inseridos na faixa de fronteira do país. Para imóveis nesta situação, é indispensável que se apresente junto ao requerimento de ratificação um levantamento planialtimétrico, realizado por engenheiro qualificado e acompanhado da respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, como forma de comprovar a exata localização do imóvel em relação a faixa de fronteira do país. Já para os imóveis situados em municípios que estão totalmente inseridos na faixa de fronteira, referida recomendação é dispensável por simples presunção lógica.
I - federais, efetuadas pelos Estados:
a) na faixa de até sessenta e seis quilômetros de largura, a partir da linha de fronteira, no período compreendido entre o início da vigência da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, até o início da vigência da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966; e
Dos registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas federais entre 24/02/1891 e 06/04/1966 na faixa de até 66km da fronteira. O art. 3.º, I, a), impõe o dever de ratificação dos registros imobiliários dos imóveis rurais originados de alienações e concessões de terras devolutas federais, efetuadas (tituladas) pelos Estados entre 24/02/1891 e 06/04/1966 (condição temporal), na faixa de até 66km a partir da linha de fronteira (condição espacial).
b) na faixa de sessenta e seis a cento e cinquenta quilômetros de largura, a partir da linha de fronteira, no período compreendido entre o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955, até o início da vigência da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966;
Dos registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas federais entre 05/07/1955 e 06/04/1966 na faixa de 66 a 150km da fronteira. O art. 3.º, I, b), impõe o dever de ratificação dos registros imobiliários dos imóveis rurais originados de alienações e concessões de terras devolutas federais, efetuadas (tituladas) pelos Estados entre 05/07/1955 e 06/04/1966 (condição temporal), na faixa de 66 a 150km a partir da linha de fronteira (condição espacial).
II - estaduais, efetuadas pelos Estados sem prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional:
a) na faixa de sessenta e seis a cem quilômetros de largura, a partir da linha de fronteira, no período entre o início da vigência da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, até o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955; e
Dos registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas estaduais entre 16/07/1934 e 05/07/1955 na faixa de 66 a 100km da fronteira e sem o assentimento do CSN. O art. 3.º, II, a), impõe o dever de ratificação dos registros imobiliários dos imóveis rurais originados de alienações e concessões de terras devolutas estaduais, efetuadas (tituladas) pelos Estados entre 16/07/1934 e 05/07/1955 (condição temporal), na faixa de 66 a 100km a partir da linha de fronteira (condição espacial) e sem a anuência do CSN (condição qualificativa).
b) na faixa de cem a cento e cinquenta quilômetros de largura, a partir da linha de fronteira, no período entre o início da vigência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, até o início da vigência da Lei nº 2.597, de 5 de julho de 1955.
Dos registros imobiliários oriundos de alienações e concessões de terras devolutas estaduais entre 10/11/1937 e 05/07/1955 na faixa de 100 a 150km da fronteira e sem o assentimento do CSN. O art. 3.º, II, b), impõe o dever de ratificação dos registros imobiliários dos imóveis rurais originados de alienações e concessões de terras devolutas estaduais, efetuadas (tituladas) pelos Estados entre 10/11/1937 e 05/07/1955 (condição temporal), na faixa de 100 a 150km a partir da linha de fronteira (condição espacial) e sem a anuência do CSN (condição qualificativa).
Art. 4º Caso a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária recaia sobre imóvel rural, inscrito no Registro Geral de Imóveis em nome de particular, que não tenha sido destacado, validamente, do domínio público por título formal ou por força de legislação específica, o Estado no qual esteja situada a área será citado para integrar a ação de desapropriação.
§ 1º Nas ações judiciais em andamento, o órgão federal responsável requererá a citação do Estado.
§ 2º Em qualquer hipótese, feita a citação, se o Estado reivindicar o domínio do imóvel, o valor depositado ficará retido até decisão final sobre a propriedade da área.
§ 3º Nas situações de que trata este artigo, caso venha a ser reconhecido o domínio do Estado sobre a área, fica a União previamente autorizada a desapropriar o imóvel rural de domínio do Estado, prosseguindo a ação de desapropriação em relação a este.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor após decorridos quarenta e cinco dias de sua publicação oficial.
Art. 6º Ficam revogados:
I - o Decreto-Lei nº 1.414, de 18 de agosto de 1975 ; e
II - a Lei nº 9.871, de 23 de novembro de 1999 .
Brasília, 22 de outubro de 2015; 194º da Independência e 127º da República.
DILMA ROUSSEFF
Aldo Rebelo
Maria Emília Mendonça Pedroza Jaber
Nelson Barbosa
Sorocaba-SP, 25 de junho de 2025.
Eduardo Carvalho Almeida
Advogado especialista em Agronegócio
OAB/SP 302.750
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